Justiça demora, em média, 429 dias para começar a analisar casos de violência doméstica no Brasil
15/12/2025
(Foto: Reprodução) 'Não basta matar a mulher: é preciso humilhar': a escalada de violência contra mulheres
A Justiça brasileira demora, em média, 429 dias para começar a julgar casos de violência doméstica. O prazo equivale a 1 ano, 2 meses e 4 dias.
Em relação aos casos de feminicídio, o tempo médio de espera chega a 263 dias até o primeiro julgamento, ou seja, quase 9 meses.
Os dados de 2025 são do Painel de Dados Estatísticos do Poder Judiciário, produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Programa Justiça 4.0.
Atualmente, cerca de 1,3 milhão de processos de violência doméstica e pouco mais de 14 mil ações de feminicídio aguardam julgamento no Brasil, segundo o CNJ.
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Por que tanta demora?
Ao g1, a conselheira do CNJ Renata Gil afirma que a dificuldade de intimar todas as partes envolvidas nos casos de violência doméstica e a não captura do réu nos casos de feminicídios são alguns dos motivos para o alongamento do prazo.
"Questões de distância, de não localização precisa. Trabalhamos muito no formulário de risco para que ele seja preenchido, para que consigamos alcançar os agressores e as vítimas para que as audiências ocorram e os processos sejam finalizados. [...] Feminicídio é mais difícil ainda, se o réu não é preso, não pode ser julgado perante o tribunal do júri", afirma a conselheira Renata Gil.
Outro ponto que impacta nos prazos, segundo a juíza Fabriziane Zapata, coordenadora da Coordenadoria da Mulher em situação de Violência Doméstica da Justiça do DF (CMVD-DF), é o esgotamento mental de servidores.
Frequentemente, servidoras e servidores acabam pedindo para migrar para outra lotação nos tribunais por não aguentarem mais lidar, todos os dias, com a brutalidade e com a urgência desses casos.
"O juiz acaba de completar a equipe e o servidor já quer sair, quer ir para outro lugar que não haja tanta urgência. Porque na violência doméstica, tudo é urgente", aponta a juíza.
Protesto contra violência às mulheres reúne manifestantes na Avenida Paulista
ANGÉLICA ALVES/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
Meta 8 do CNJ
O CNJ estabeleceu, em 2017, uma meta nacional no Poder Judiciário para priorizar o julgamento dos processos relacionados ao feminicídio e à violência doméstica e familiar contra as mulheres.
A determinação, conhecida como "Meta 8", é atualizada anualmente e define que, em 2026:
a Justiça Estadual deve julgar 75% dos casos de feminicídio e 90% dos casos de violência doméstica distribuídos até 2024;
o Superior Tribunal de Justiça (STJ) assumirá um "objetivo máximo", comprometendo-se a julgar 100% dos processos de feminicídio e violência doméstica distribuídos até 2024.
Ao longo dos anos, segundo a conselheira do CNJ Renata Gil, a meta vai se tornando mais rigorosa.
"Começamos com percentuais baixos de cumprimento, agora temos o STJ com meta de 100% dos processos que entraram até 2024, ou seja, a Justiça de primeiro grau está recebendo, julgando e chegando ao último degrau", afirma a conselheira.
Situação no DF
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
Reprodução/ TJDFT
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal demora, em média, 177 dias para iniciar o julgamento de casos de feminicídio. Em relação aos casos de violência doméstica, a média é de 359 dias, ou seja, quase um ano.
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De acordo com a juíza Fabriziane Zapata, esse é o tempo médio para a conclusão de toda a investigação – ou seja, do momento em que ela começa na delegacia até chegar à mesa do juiz.
"O processo leva esse tempo, seja por causa do tempo em que ele leva lá na delegacia até a conclusão do inquérito, seja por conta de obedecer o que está estabelecido em lei. Garantindo esses direitos de contraditório e ampla defesa pra os réus", afirma a juíza.
A juíza, também titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar do Riacho Fundo, aponta que os casos de feminicídio são julgados com prioridade quando o sistema de segurança pública consegue prender o réu.
Por isso, na média, esses casos são julgados "mais rápido" que os de violência doméstica.
O Tribunal de Justiça do DF tem 19 varas especializadas para os delitos de violência doméstica. Já em relação aos casos de feminicídio, a competência é do Tribunal do Júri.
Mesmo com os prazos extensos, o Tribunal de Justiça do DF cumpriu a "Meta 8" em 2025: julgou 106,52% dos casos de violência doméstica e 120,19% dos casos de feminicídio na fila.
O que pode ser feito?
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De acordo com as especialistas entrevistadas, para resolver essa "fila de casos", é preciso:
criar mais varas de violência doméstica e familiar contra as mulheres no Brasil;
incentivar que tribunais também criem seus equipamentos de combate à violência;
facilitar a denúncia com registros online, campanhas, uso de câmeras;
adotar medidas protetivas online nos tribunais;
mudar penas previstas em lei para violência doméstica – que são pequenas e, inicialmente, em regime aberto;
criar grupos reflexivos para homens autores de violência;
educar para a equidade de gênero, o respeito e valores;
garantir atendimento psicossocial de qualidade nos equipamentos da rede.
"Todos os estudos apontam que não é a pena que vai resolver o problema da violência doméstica, mas sim as medidas a serem tomadas pelo Poder Executivo na implementação de políticas públicas de atenção à saúde da mulher, à saúde mental, aos cuidados com o homem, com a mulher, cuidados desde a primeira infância", diz a juíza Fabriziane Zapata.
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