Petrobras pode reduzir dependência do petróleo e se tornar potência em energia limpa, mostram estudos
16/09/2025
(Foto: Reprodução) Marina Silva ao g1: 'empresas como a Petrobras têm de deixar de ser apenas de petróleo
A Petrobras pode deixar de depender quase que exclusivamente do petróleo e se consolidar como uma potência em energia limpa, indicam dois estudos divulgados nesta terça-feira (16) por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pelo Observatório do Clima (OC).
Para isso, a estatal precisará diversificar seu portfólio, investir em novas tecnologias e assumir de forma mais clara o papel de agente da transição energética no país, defendem as análises.
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Atualmente, a estratégia da empresa ainda está fortemente centrada no petróleo.
Seu plano de negócios até 2029 prevê investimentos de US$ 111 bilhões, dos quais apenas US$ 9,1 bilhões, menos de 10%, são destinados a iniciativas de baixo carbono, como biocombustíveis, hidrogênio e energias renováveis. O restante está concentrado em exploração e produção de óleo
Por isso, os relatórios alertam que essa aposta pode se tornar um problema junto com a busca por novas fronteiras de exploração, como na Foz do Amazonas e na Bacia de Pelotas (RS).
Segundo os pesquisadores, há grande chance de que esses projetos se tornem “ativos encalhados”, ou seja, áreas de exploração que não terão retorno financeiro diante da redução do consumo e da pressão internacional por cortes nas emissões.
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"Ainda vamos conviver por bastante tempo com a necessidade de explorar petróleo. Trata-se de um recurso esgotável, de preço volátil, e, para garantir autossuficiência e manutenção das reservas, a exploração continuará sendo necessária", explicou em uma coletiva de imprensa o professor do Instituto de Economia da UFRJ, Helder Queiroz, que coordenou um dos estudos.
"Ao mesmo tempo, como o estudo aponta, é preciso colocar mais atenção no lado da demanda. O dilema está em como lidar com os diferentes derivados e suas possibilidades de substituição, assim como nas políticas que permitam reduzir progressivamente cada um deles", acrescentou o pesquisador.
Prédio da Petrobras no Rio de Janeiro.
Sergio Moraes/Reuters
Na avaliação de Queiroz, contudo, a fragmentação crescente da geopolítica torna os desafios dessa transição energética ainda maiores.
Isso porque, segundo ele, as petroleiras têm demonstrado hesitação, e até mesmo recuo, na diversificação de seus portfólios.
A Shell, por exemplo, cancelou em março de 2025 seus projetos de energia solar e eólica onshore no Brasil, alegando baixa rentabilidade.
Globalmente, também suspendeu novos projetos de eólica offshore e reduziu investimentos em hidrogênio.
Já a BP interrompeu 18 projetos de hidrogênio verde, vendeu ativos de eólicas onshore nos Estados Unidos e abandonou um megaprojeto de hidrogênio de US$ 36 bilhões na Austrália.
A Petrobras, porém, está em posição de vantagem competitiva em relação a outras empresas do setor, pela excelência técnico-operacional e pela experiência já acumulada em novos combustíveis e biocombustíveis.
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As análises foram construídas com base em dados recentes sobre produção e exportação de petróleo do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), em informações financeiras da própria Petrobras, em cenários globais da Agência Internacional de Energia (AIE) e em estimativas do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa).
Além disso, os autores consideraram nos estudos parâmetros do Acordo de Paris, a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) submetida pelo Brasil em 2024, a Estratégia Nacional de Mitigação lançada pelo governo federal em 2025 e também propostas independentes de metas climáticas elaboradas pelo OC.
O processo envolveu também oficinas de debate com organizações da sociedade civil, especialistas em energia e clima e o cruzamento de projeções econômicas, como a estimativa de crescimento médio de 2,1% ao ano do PIB brasileiro até 2050.
Cenário da transição é desafidor
Entre as rotas sugeridas pelos estudos estão ampliar investimentos em biocombustíveis de segunda e terceira geração (ou seja, produzidos a partir de resíduos e insumos que não concorrem com a produção de alimentos), desenvolver hidrogênio de baixo carbono e apostar em combustível sustentável de aviação (SAF).
Há também recomendações para que a estatal volte a investir em distribuição de energia, criando pontos de recarga para veículos elétricos ou até recomprando a BR Distribuidora.
Outro ponto levantado é a possibilidade de usar parte dos dividendos da estatal para financiar ações de mitigação, como o combate ao desmatamento, e projetos de adaptação às mudanças climáticas.
Segundo as análises, isso permitiria que a empresa se mantivesse lucrativa ao mesmo tempo em que contribuiria diretamente para que o Brasil cumprisse suas metas de redução de emissões — entre 59% e 67% até 2035, em comparação com 2005 — e alcançasse a neutralidade de carbono em 2050.
"A demanda do Observatório do Clima é que o petróleo perca progressivamente importância no portfólio da Petrobras, abrindo espaço para que a empresa avance em outras áreas de energia", aponta Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima e uma das autoras do trabalho.
Refinaria da Petrobras em Paulínia (SP).
Paulo Whitaker/Reuters
Araújo destaca ainda que a Petrobras costuma enfatizar reduções em suas operações diretas — como extração e refino —, mas lembra que o maior impacto climático dos combustíveis fósseis ocorre na queima, responsável por cerca de 80% a 90% das emissões totais.
Segundo dados analisados pelo site Fakebook.eco, uma plataforma do OC criada para combater a desinformação sobre meio ambiente, as emissões indiretas de gases de efeito estufa da Petrobras (chamadas tecnicamente de escopo 3) responderam por 85,2% do total entre 2015 e 2022, o que em 2022 equivalia a 421 milhões de toneladas de CO₂ equivalente, mais do que todas as emissões do Reino Unido no mesmo período .
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Hoje o Brasil exporta pouco mais da metade do petróleo que produz. E esse petróleo, mesmo queimado fora do país, contribui para o aumento das emissões globais de gases de efeito estufa e para o aquecimento do planeta — ainda que não pese diretamente na contabilidade nacional.
Os estudos também destacam a necessidade de alinhar a Petrobras ao Acordo de Paris e às metas climáticas brasileiras.
Segundo o Observatório do Clima, a estatal deveria adotar um cronograma compatível com a limitação do aquecimento a 1,5°C e incorporar diretrizes de uma transição justa, garantindo empregos e desenvolvimento social.
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Isso exigiria, ainda segundo os autores, rever a prioridade dada à expansão do petróleo e redirecionar recursos para setores de baixo carbono.
“É preciso aumentar o investimento em transição energética e também em mitigação", acrescenta Carlos Eduardo Young, que também é professor do Instituto de Economia da UFRJ.
O g1 entrou em contato com a Petrobras para solicitar comentários sobre as análises divulgadas e as propostas apresentadas para o futuro da companhia, e aguarda resposta.
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